TRANSLOCAL. Culturas Contemporâneas Locais e Urbanas

# 2 | 2019

MODERNIDADES MODERNITIES

Coord. Residente: Ana Salgueiro 

Coord. Convidadas: Ana Isabel Moniz e Leonor Martins Coelho

Capa: fotografia de Ana Marta
Paginação:  Pedro Pessoa | IA
Conceção Gráfica:  Betânia Castro | DCT-CMF

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 ÍNDICE
. ouverture _ pre.lú.di.o. Modernidade(s). Modernismo(s): da pluralidade translocal e transhistórica | Ana Salgueiro   
ENSAIOS VISUAIS|  VISUAL ESSAYS 
 . ESKULTURA com K | Duarte Encarnação 
“EsKultura com K” trata do mito da escultura no contexto nacional. Trata ainda da estética particular, da arte e do poder. Partindo de uma crítica de José-Augusto França sobre a “idade de ouro da escultura portuguesa” (António Ferro), proponho três intervenções para o Museu Henrique e Francisco Franco (MHFF). Procuro, assim,  explorar o anedótico e certeiro título dado por França a uma certa tendência da Escultura Pública dominante no contexto do Estado Novo, fortemente marcada pela vertente oficial do regime e que, segundo José-Augusto Franco, foi inaugurada pelo madeirense Francisco Franco, escultor que deixou escola (Zarquismo) para vários escultores da sua geração e da seguinte./ Neste âmbito, interessa-me discutir o suposto fim das ideologias (?!). Tomando a escultura como conceito e operação imagética, procurarei aproximá-la da cena de representação/teatralização, sublinhando contrastes, oposições e conflitos, através de um discurso criativo de reflexão, baseado na contestação e na releitura crítica da História (e da História da Arte), com o fim último de celebrar a Democracia (como ainda a temos). […]
 . Projeto Bluette | Carla Cabral
O projeto Bluette nasceu em 2015, por iniciativa da artista plástica Carla Cabral. Teve como principal objetivo sensibilizar a comunidade para o tema da insularidade, da periferia e do isolamento, através de uma “viagem” que procurava levar o mais longe possível o nome da ilha da Madeira. Consistiu em fazer viajar uma “Cabeçuda” – concebida pela promotora do projeto – por nove cidades portuguesas e europeias.
A condição insular de Carla levou-a a refletir sobre experiências e vivências que a limitam como artista e cidadã. Assim, decidiu promover diferentes formas de expressão e interação, que contribuíssem para minorar o isolamento e pudessem inspirar à mudança: a fotografia, o vídeo, a performance e a dança. A Bluette foi partilhada entre 2015 e 2016, com artistas e autodidatas residentes, para que estes pudessem interagir e registar a performance no seu contexto geográfico, de forma criativa e crítica, criando uma ligação formal e estética entre a escultura e os diferentes espaços territoriais, cenários e realidades. Numa relação com as tradições, as memórias e as diferentes culturas. […]
 . A Construção Identitária na Modernidade Açoriana | Maria Inês Vieira Rodrigues
A percepção dos Açores enquanto arquipélago foi produto de uma acção moderna, trazida pela democracia. Até à década de 80 do século passado, os habitantes das nove ilhas dos Açores não se relacionavam de uma forma significativa, pelo que se registava um desconhecimento assinalável uns dos outros. O conjunto das ilhas enquanto grupo identitário que, aparentemente, partilha características comuns e que se relaciona internamente consistiu, e consiste, numa construção política deliberada. As relações não se estabelecem automaticamente – existem processos profundos provenientes de iniciativas estratégicas.
Deste modo, o conceito de unidade dos Açores foi activamente construído a partir da instituição constitucional de uma região e governo autónomos, sendo uma das ferramentas operativas mais importantes o canal da RTP-Açores que, pela primeira vez, deu a conhecer as ilhas aos próprios ilhéus. Assim, a modernidade é também o entendimento de distâncias e, neste caso, da proximidade entre ilhas do mesmo arquipélago.
ENSAIOS |  ESSAYS
 . De Marinetti ao século XXI: rupturas e continuidades |  Ana Margarida Falcão
Centrada em momentos de viragem da poesia e, sobretudo, em declarações colhidas em manifestos e textos de reflexão teórica que lhes estão associados, procura-se sublinhar a existência de “continuidades de rupturas”, tomando como ponto de partida as repercussões de Marinetti na primeira geração do modernismo português e abordando depois experiências sem ligação direta ao futurismo, que passam pelo surrealismo e pelas práticas experimentalistas da poesia visual, vindo até exemplos já do século XXI. Mais que a negação do passado como motor da mudança, que implicaria a ausência de modelo, evidencia-se a dinâmica tradição/inovação, ou seja a transformação de modelos e “reencontro inovador” que carateriza a nossa contemporaneidade.
 . A psique, o ser e a liberdade sempre por conquistar | Felipe Aguiar
Tomando o mito de Psiquê como leitmotiv, o presente ensaio se debruça a discutir a psique e o ser, moderno e contemporâneo, redesenhando a noção de liberdade construída na emergência da era moderna. Para tanto, estabelece relações com teóricos e escritores cujas obras são significativas para pensar as mentalidades construídas. Entre eles se destacam, em oposição, T. S. Eliot e Fernando Pessoa. O texto, enfim, ensaia sobre a desconstrução do ser indivisível moderno à emergência da alteridade.
. A Madeira entre a Europa e o Atlântico (séculos XIX e XX): breve síntese  | Paulo Miguel Rodrigues
Este texto, que não pretende ser mais do que uma breve síntese, tem por objecto a importância geopolítica da Madeira a partir da análise de quatro períodos específicos dos séculos XIX e XX, que representaram, todos eles, momentos de viragem: (1) o período das guerras napoleónicas; (2) o final do século XIX; (3) os anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918); (4) os anos da Segunda Guerra Mundial(1939-1945).Em cada um deles, procurou-se sempre destacar dois aspectos:(a) de que forma a Ilha se tornou relevante para a defesa dos interesses de Portugal e das grandes potências, no quadro das relações euro-atlânticas; (b) de que modo o espaço insular português se adaptou à mudança e às exigências das conjunturas e dos sistemas internacionais em que se inseriu.
. Funchal urban planning in the 20th Century: tradition vs. modernity  | Rui Campos Matos
In March 1915, the architect Ventura Terra (1866–1919) completed Funchal Improvements Plan, bringing to Madeira island the first echoes of Parisian urbanism. Trained in Paris on the Haussmann principles, Ventura Terra considered that Funchal urban fabric presented countless signs of being outdated: the winding streets; the absence of large public parks; the informality with which the city and the sea interacted. From his point of view, the capital of the archipelago had to be adapted to the modern era – the era of automobile and tourism – bringing to it the glow of The City of Light. From then on, all decisions taken on city’s fate, whether imagining it as a great cosmopolitan metropolis or as a picturesque town with Portuguese roots, were taken in line with or against Terra’s Plan. This paper will argue that it was in the dissension between these two opposites that Funchal has been redesigning itself until today. 
. Ao volante do Chevrolet pelas estradas da Madeira: configurações do automóvel na paisagem  | António Fournier
Símbolo da modernidade por excelência, o automóvel é simultaneamente um acelerador do desejo e um caleidoscópio de sensações. A noção de velocidade e de prazer físico a ele associada faz com que não só a percepção da paisagem por ele atravessada se altere, como também com que ele próprio seja instrumento promotor de uma alteração de costumes: quem nele viaja, viaja num tempo diferente do tempo moral circundante. Isto é especialmente visível num ambiente atávico e conservador como a ilha da Madeira. Este breve estudo visa enquadrar as diversas configurações que o automóvel assume nos textos de temática madeirense e as suas implicações como chave de acesso aos imaginários representados.
. Tudo o que é sólido se dissolve… e recicla. A vertigem da tradição e do arquipélago em modernidades lusófonas insulares  | Ana Salgueiro
Convocando as reflexões sobre Modernidade(s)/Modernismo(s) de autores como W. Benjamin, B. Latour, Z. Bauman, A. Giddens ou S. Stanford Friedman, assim como as considerações de G. Durand, V. Jabouille e P. Ricouer acerca do papel do mythos/mito na contemporaneidade, discutiremos a dicotomia vulgarmente estabelecida entre tradição e modernidade e entre mito e modernidade, demonstrando a falácia que essa dicotomia e esse insulamento acríticos podem representar.
Centraremos a nossa atenção em textos literários lusófonos, sobretudo de autores da Macaronésia (Cabral do Nascimento, João Varela e João de Melo). Procuraremos demonstrar como, nos casos em estudo, o mito (num processo de reciclagem subversiva que conduziu o mythos ao mito e ao anti-mythos) se assume aí como discurso narrativo profundamente moderno (não periférico e estruturalmente arquipelágico), capaz de problematizar, desconstruir e recriar-atualizando (reciclar) as narrativas identitárias dessas comunidades modernas, (re)construídas a partir de seculares trânsitos atlânticos que remontam ao século XV.
. Mi, giador di altumóvia npristadu: os Modernismos e a receção de Fernando Pessoa em Cabo Verde  | Rui Guilherme Silva
A irrupção do modernismo literário cabo-verdiano foi tardia, polémica e parcial: afirmou-se apenas em 1936 (com a revista Claridade), enfrentou a oposição dos nativistas e desprezou as vanguardas de Whitman, Rimbaud ou Pessoa. É que a primeira manifestação do Modernismo português fora da metrópole não é parceira de Orpheu (1915): é antes herdeira da presença coimbrã (1927), na sua fase conceptual, e do regionalismo nordestino brasileiro (anos 30), na sua fase material.
Em 1961, João Vário afirmava que os seus contemporâneos precisavam “de se voltar profunda e urgentemente para Pessoa”. Contudo, a filiação dos nomes literários de Vário – que é ainda T. Tio Tiofe e G. T. Didial – na heteronímia pessoana ocorre apenas nos anos 80.
Entretanto, José Luís Hopffer C. Almada assina a sua obra com cinco nomes autorais distintos; Arnaldo França e José Luiz Tavares traduzem Fernando Pessoa para a língua cabo-verdiana; e vários poemas de Arménio Vieira ou de Valentinous Velhinho atestam que o engenheiro naval de Tavira fez escala prolongada em Cabo Verde.
. Entre a experiência e a aprendizagem: a dimensão educativa nos museus de arte  | Juan Gonçalves

 

Embora frequentemente criticados pela apresentação de uma visão estática da cultura e por uma resistência institucional aos fatores de mudança, alguns museus souberam responder às novas exigências culturais com a adoção de novos papéis e com o estabelecimento de novas relações com a sociedade, propiciando uma reconfiguração identitária em torno de novos contextos simbólicos. Assim, apesar dos desafios intelectuais impostos pela sociedade pós-industrial com as suas súbitas práticas culturais – que implicavam conhecimentos sobre a sensibilidade dos indivíduos e as mudanças nos comportamentos das massas urbanas –, o museu tratou de se adaptar, sofrendo profundas metamorfoses ideológicas. É no seio deste novo contexto histórico que toma corpo a nova geração museológica, consciente da impossibilidade de se manter nos limites institucionais do modelo tradicional e da urgência de se comprometer com uma desconhecida e deveras ampla situação.
A ​p​rática performativa de mulheres marginalizadas na ​trilha ​de uma produção de conhecimento decolonial | Carol Dia
O ensaio propõe um diálogo entre pensamento decolonial feminista e performance-arte em conexão com minha própria experiência nesses campos, a fim de trazer luz à uma “nova” compreensão de produção de conhecimento na pós-modernidade, não mais a partir da noção ocidental da universalização do sujeito, mas na perspectiva de retomada de territórios de memória e de produção de subjetividades de/por corpos marginalizados historicamente por essa mesma noção totalizante. Partindo do entendimento de que aquilo que se denomina de Modernidade é, na verdade, o manto que encobre a colonialidade do poder e que a perspectiva decolonial coloca, não só sobre o gênero, mas sobre todas as categorizações conceituais e metodológicas ocidentais, o objetivo é confabular sobre performance arte feita por mulheres marginalizadas na contemporaneidade, adotando um viés crítico de observação e buscando entender seu papel na produção de sentidos compartilhados através da escrita disruptiva anti-colonialista, bem como sua potência descolonizadora a partir da prática performativa na dimensão de corporeidade.
ARTIGOS. Do Funchal e da Madeira|  ARTICLES. From Funchal and Madeira Island
. Irma Stern, uma leitura expressionista da vivência insular  | Isabel Santa Clara e Anne-Martina Emonts
 A estadia da pintora sul-africana de origem judia alemã Irma Stern (1894-1966) na ilha Madeira, em 1931, é exemplo paradigmático dos contactos entre as periferias insulares e os centros europeus, onde se geravam os movimentos vanguardistas. Com formação artística adquirida na Alemanha, de índole marcadamente expressionista, a pintora lançou sobre a Madeira um olhar simultaneamente enlevado e crítico. Viveu e cresceu num cruzamento de culturas: as das suas origens, alemã, judia e sul-africana e aquelas com que contactou durante as suas viagens a Inglaterra, França, Itália, Senegal, Congo, Zanzibar. É abordada a relação da pintora com o movimento expressionista alemão e são analisadas, nas suas opções temáticas e estilísticas e em função do percurso da pintora, algumas das obras realizadas na Madeira, fruto das suas estadias em 1931, 1950 e 1963. Procura-se ainda demonstrar a importância da Madeira para a artista, de modo a salientar a especificidade do seu olhar.
. Presença de Edmundo Bettencourt no panorama do Modernismo Português  | Ana Isabel Moniz
 Contemporâneo de uma geração de artistas e intelectuais rebeldes às normas instituídas, Edmundo Bettencourt viria a integrar o grupo fundador da Presença, revista que marcou para sempre o panorama literário português, tendo colaborado de forma activa nesse projecto.
Poesia, composição e interpretação (fado, gravações, êxitos musicais) fazem parte do percurso artístico de Edmundo de Bettencourt, cujas temáticas recorrentes das suas composições poéticas se encontram reunidas no volume Poemas de Edmundo de Bettencourt, e subdivididas em O Momento e a Legenda, Poemas Surdos, Rede Invisível e Ligação. É neste sentido que nos propomos reflectir sobre o contributo literário e artístico de Edmundo Bettencourt para o panorama modernista português.
. António Vieira de Freitas (1940 – 1982): uma voz moderna na margem |  Leonor Martins Coelho
Dinamizador cultural, político e poeta, António José Vieira de Freitas abriu caminho para as novas vozes poéticas madeirenses dos anos 70 e 80 do século XX. Como coordenador de projetos editoriais, Vieira de Freitas procurou, sob o signo da modernidade, atualizar o pensamento crítico da prática literária na Madeira, lançando pontes entre a Ilha e o Continente. Como poeta, deixa-nos uma obra pouco marcada pela experiência insular, mas escrita, na sua essência, sob o signo da insularidade e do desassossego da alma.
. Elite Municipal da Ponta do Sol (1878 – 1886) | Carla Raquel da Silva Matos
A presente investigação desenvolve um estudo sobre o percurso histórico das elites municipais do concelho da Ponta do Sol, entre 1878 e 1886, inserindo-as no contexto global das regras definidas pelo suporte legislativo do Código Administrativo de 1878, bem como no espaço socioeconómico, onde detiveram um papel preponderante e decisivo nos destinos do mesmo. Este artigo analisa a realidade local na construção de uma identidade municipal, aplicando métodos e técnicas de investigação histórica. A partir de fontes manuscritas, como os recenseamentos eleitorais, este trabalho faz a inventariação do corpus eleitoral do concelho supramencionado, isto é, a caracterização socioeconómica dos cidadãos habilitados a votar (eleitores) e dos elegíveis, culminando nos eleitos (vereadores) para os cargos municipais. 
. Territorialização das políticas educativas. Madeira e a municipalização da educação  | J. Eduardo Alves
A perspetiva da territorialização aplicada às políticas educativas é um tópico de abrangência difusa, recente, tendo os seus inícios na europa nos anos 80 do século passado. Traduz-se numa realidade complexa e global, que estará longe de se esgotar na transformação das relações entre o Estado e a educação, comummente assentes na tradicional dicotomia entre a centralização versus descentralização. Por este motivo, trata-se de um fenómeno particularmente político, mais do que estritamente jurídico-administrativo, que imporá a tomada de opções e a gestão de legitimidades entre o Estado e as dimensões do local, e em Portugal, mercê da regionalização existente nos Açores e na Madeira, também do regional.
Importa assim, numa análise eminentemente multidisciplinar, que congrega o jurídico, o político e o educacional, verificar os discursos e as práticas na modernidade, a forma como o centro se relaciona com a periferia e esta reconstrói uma narrativa própria sobre este mesmo objeto
. Contributo da Linguística para uma visão moderna do fenómeno linguístico madeirense: das impressões sobre o linguajar ao seu estudo científico |  Helena Rebelo
 Enquanto, em Portugal, surgiu o Movimento de Orpheu, que rompe com o passado, em França, Ferdinand de Saussure tinha proposto uma nova forma de conceber a linguagem: um Modernismo Linguístico. Trouxe novidade a este campo do saber. Valorizando a “langue”, sublinhou a importância da “parole”. Que repercussões teve no estudo do fenómeno linguístico madeirense? Numa primeira fase, o “linguajar madeirense” era registado pelas “curiosidades” que o distanciavam da norma. Numa segunda fase, é alvo de estudo por si mesmo. Crê-se que a mudança muito deve à teoria saussuriana, divulgada sensivelmente na época do Orpheu, embora demorasse a chegar ao arquipélago. Pretende-se sistematizar estas fases, desenvolvendo o tema em três subpontos: 1) Orpheu e Cours ou Pessoa e Saussure, 2) O Linguajar Madeirense: Observações Curiosas (1ª fase) e 3) A Linguística e o Português do Arquipélago (2ª fase).
. Variação sociocultural de alguns regionalismo madeirenses na comunidade de fala do Bairro da Nazaré (São Martinho, Funchal)  | Naidea Nunes Nunes
 Depois da realização de alguns inquéritos sociolinguísticos sobre alguns regionalismos madeirenses, no centro do Funchal e noutros concelhos rurais da ilha da Madeira, surge o interesse e a necessidade de fazer um estudo semelhante num contexto considerado de periferia social, neste caso no Bairro da Nazaré, freguesia de S. Martinho, no Funchal. Trata-se de conhecer a realidade sociolinguística e cultural desta comunidade periférica pouco afastada do centro do Funchal, no âmbito do Português falado no Arquipélago da Madeira. Como zona periférica, os residentes do Bairro da Nazaré serão provenientes de várias localidades rurais que migraram para o Funchal há algumas décadas? Até que ponto estes falantes conservam o conhecimento e uso de alguns regionalismos madeirenses como parte da sua identidade local ou regional? Esta transgressão à norma padrão é assumida pelos informantes? O Bairro da Nazaré é um espaço de conservação ou de inovação linguística através da (re)criatividade lexical e semântica dos regionalismos madeirenses?
ARTIGOS. Por Outras Coordenadas | ARTICLES. Through Other Coordinates 
. Luís Francisco Bicudo e o Futurismo: a divulgação crítica  | Urbano Bettencourt
A 5 de agosto de 1909, o jornal Diário dos Açores (Ponta Delgada) apresentava na sua primeira página o “Manifesto do Futurismo”, de Marinetti. Era a primeira publicação integral do Manifesto no país e a iniciativa ficava a dever-se ao poeta Luís-Francisco Bicudo (assim assinado), que o traduzira e enviara de Génova e ao qual acrescentara uma entrevista concedida por Marinetti à revista Comoedia. Contra o que seria de esperar, o gesto de Luís Francisco Bicudo não traduzia uma adesão ao ideário e às propostas do Manifesto; antes, pelo contrário, constituía uma ocasião para o poeta açoriano proceder a uma crítica do futurismo. A presente comunicação propõe-se fazer uma análise dessa publicação, no contexto do jornal e da poética de Luís Francisco Bicudo”.
. Frizos de 1915 de José de Almada Negreiros: uma obra periférica do amante visual das formas | Sofia A. Carvalho
Proponho uma abordagem exegética que visa problematizar o pacto do(s) encontro(s) orfeico(s), bem como perscrutar o modo e a expressão contaminada do acontecer das letras e da pintura. O enunciado proposto pelo Narciso do Egipto é simples: ir à antiguidade para o encontro da “vanguarda da modernidade”. Porém, as plurímodas ramificações do advento d’ Orpheu, cerzido entre o escândalo crístico e o escândalo dos vendilhões do Templo (Negreiros, 1997: 814), apontam para um jogo antinómico que pretendendo ser universal, não deixa de ser epocal. Torna-se, assim, habitual para estas personagens autênticas irromperem como instante extraordinário de uma não ficção possível: a de estarem todos “metidos na mesma cela, na mesma não-identidade”. Com efeito, e sob o signo da não pertença e do “delirante veneno de não pertencermos a nada e sermos de cá”, sugiro uma leitura hermenêutica de três dos treze Frizos, aceitando que aí se delineia uma atmosfera pós-simbolista e decadentista que se encontra na periferia da modernidade.
. A Itália obscurecida no depoimento literário de Carlo Levi |  Gaspare Trapani
Cristo si è fermato a Eboli de Carlo Levi foi publicado logo depois da conclusão da Segunda Guerra Mundial e da queda de Mussolini, naquela atmosfera de reconquistada liberdade que, numa literatura definida como neo-realista, significou uma grande vontade de falar e de reflectir sobre os mais recentes acontecimentos italianos. A obra reúne, assim, as memórias do autor, exilado, pela sua oposição ao fascismo, numa pequena e recôndita aldeia do Sul italiano, nos anos em que a ditadura triunfava dentro e fora do País. Enorme foi o sucesso de crítica e público, devido não apenas às suas qualidades literárias, mas também por representar um documento de elevado alcance cultural sobre aquela época. Nas suas páginas, o autor reconstrói a condição de uma “outra Itália” periférica, atrasada e abandonada – uma Itália obscurecida – em contraste com a imagem de uma poderosa “nova Itália” que o duce Mussolini, nos mesmos anos, queria transmitir.
. Mário Botas, o génio que sobrava na festa  | Helena Carvalho
 Representando aquilo a que podemos chamar um “pintor-poeta”, Mário Botas deixou-nos uma das obras mais geniais da pintura portuguesa do século XX, facto que adquire especial significado se tivermos em conta que faleceu com apenas trinta anos. Na senda dos versos que Eugénio de Andrade dedicou ao pintor após o seu desaparecimento – “Não cheguei a dizer-te como/ tu e eu sobrávamos na festa” –, procuraremos averiguar as marcas de marginalidade e disrupção na obra pictórico-poética de Mário Botas. A proximidade da sua pintura à literatura, o abandono voluntário do surrealismo, o teor fantástico das suas criações e, sobretudo, o carácter visionário que as suas obras adquiriram nos derradeiros anos que precederam uma morte anunciada serão, neste contexto, tópicos angulares da nossa reflexão.
. O Cosmopolitismo dos Excluídos: O Imigrante Ilegal e o Refugiado nas obras de Kiran Desai (2007) e Dionne Brand (2005) |  Thallita Mayra
 O presente trabalho discute o conceito de cosmopolitismo sob o ponto de vista apresentado nas obras literarárias O Legado da Perda (2007), de Kiran Desai e What we all Long for (2005), de Dionne Brand, apresentados respectivamente sob o olhar de um imigrante ilegal e um refugiado, sujeitos excluídos do sistema jurídico e destacados da sociedade por linhas sociais abissais. O artigo confronta o cosmopolitismo das metrópoles Nova York e Toronto com aquele que opera em centros rurais da Índia e da Malásia e demonstra a violência colonial que impera na sociedade capitalista globalizada, bem como discute a impossibilidade de inclusão cidadã das referidas categorias de sujeitos nas Cosmópolis contemporâneas.
. Ode linguistique ‘Portugais-Français’ dans le poème d’ Álvaro de Campos: ‘Opiário’  | Minh Ha Lo-Cicero
Le poème «Opiário» d’Álvaro de Campos (A.C.) défie Quillier, le traducteur (2001). On observe des bouleversements syntaxiques des vers du poème qui marquent l’une des spécificités poétiques du Sensationnisme et «da Modernidade Portuguesa» auxquels A.C. appartient. La traduction française du poème Opiário d’Álvaro de Campos (A.C.) proposé par Quillier (2001) est un travail ardu et intéressant pour l’analyse contrastive: portugais / français. L’étude met en lumière les obstacles, non seulement linguistiques, culturels mais surtout poétiques, liés aux traits spécifiques de chacune des deux langues romanes. La traduction littérale, du portugais en français représente, à notre sens, une activité non négligeable afin de comprendre profondément les poésies portugaises et françaises. Notre approche contrastive du poème est aussi un énorme défi et aide à découvrir d’énormes contraintes linguistiques, poétiques et culturelles du portugais qu’illustre Quillier, dans la version française. 
OLHARES CRUZADOS | CROSSED VIEWS [30 Anos de PORTA 33 | 30 Years – PORTA 33]
. lhéstico. Um roteiro de arte contemporânea para a cidade do Funchal, com curadoria de Miguel von Hafe Pérez
 Reportagem fotográfica realizada pela PORTA 33, em que se dá conta do projeto Ilhéstico promovido por esta instituição no Funchal, em 2019, sob curadoria de Miguel von Hafe Pérez, e por ocasião da efeméride dos 30 anos da sua fundação. De Ilhéstico, nos diz o curador: “Numa alusão-homenagem a Álvaro Lapa, artista maior da contemporaneidade nacional que, através da sua conhecida série de pinturas intitulada Campéstico, desenvolveu uma original visão de conjugação entre realidades em tensão (campo e doméstico), Ilhéstico é um projeto desenhado com a participação de quarenta e cinco criadores madeirenses que assenta na possibilidade de articular as propostas artísticas com o território da cidade do Funchal. […] A partir de um núcleo de irradiação que terá como centro a Porta 33, os artistas vão habitar espaços nem sempre habituados a conviver com a arte contemporânea. Este desenho no território irá permitir uma descoberta de locais, instituições, percursos e referências históricas, sociais, e urbanísticas, num exercício de integração crítica do entre o espaço urbano e com as obras de arte.”
DIÁLOGOS |  DIALOGUES
. COMPANHIA DAS ILHAS. Livros em boa companhia  |  Carlos Alberto Machado 
 “Quando nos perguntam como nasceu a Companhia das Ilhas, apetece-nos dizer: em tempos difíceis, até parecia que o mundo poderia acabar por um desses dias. Porquê? Estávamos em 2011, em Maio, e Portugal entrara num “período negro”: crise, austeridade, tróika. Digamos: não foi um começo fácil. Diziam-nos: então, em plena crise, com despedimentos em massa, empresas a fecharem portas, insegurança e, até, medo, vocês, no meio do Atlântico, numa ilha de menos de 15 mil habitantes e numa Vila com não mais de trezentas pessoas, criam uma editora livreira? Pois foi. E talvez, dizemos nós agora, tenha sido essa a nossa primeira marca identitária: acreditar que era possível “fazer coisas” em meio da descrença generalizada. No dia 2 desse mês de Maio, criámos uma pequena “empresa familiar”: fomos a um cartório, e gastámos 300 euros nos trâmites legais. Sobraram-nos 700 euros do “capital” inicial. Com eles, um ano depois, publicámos seis pequenos livros, em formato de bolso, cada um com 48 páginas. Teatro, poesia, ficção. […]”
SUGESTÕES DE LEITURA |  BOOK REVIEWS
. Teatro Municipal de Baltazar Dias, de Paulo Miguel Rodrigues | Nélson Veríssimo
“O Teatro Municipal do Funchal, redenominado de Baltazar Dias, no ano de 1942, em homenagem ao famoso dramaturgo madeirense do século XVI, foi inaugurado em 11 de março de 1888 com a designação de Teatro D. Maria Pia, nome da esposa do rei D. Luís e rainha consorte de Portugal. Foi também chamado de Teatro Funchalense (1911) e de Teatro Dr. Manuel de Arriaga (1917).
Ao longo de mais de 130 anos, o Teatro Municipal – denominação comum ainda hoje – foi o palco de numerosos e variados espetáculos e atividades culturais para residentes e visitantes. É sobre o que aconteceu no tablado que nos fala o livro Teatro Municipal de Baltazar Dias, de Paulo Miguel Rodrigues, numa edição profusamente ilustrada da Câmara Municipal do Funchal, com grafismo da Imprensa Académica. / A obra, recentemente vinda a público, assinala o 130.º aniversário do Teatro do Funchal e, sugestivamente, apresenta no subtítulo o objeto de estudo: (1888-2018): 130 anos sobre o palco. […]”
. A propósito de Navalhas e Navios. Considerações sobre a poética de Urbano Bettencourt | Leonardo Sousa
“Conta-se que, ao deparar-se com um exemplar de Outros Nomes Outras Guerras, deitada ao prelo pela Companhia das Ilhas em 2013, alguém confundiu a antologia de poemas de Urbano Bettencourt com um passaporte. Tratava-se, pois, de um objecto de tal forma discreto, de tal forma despojado de aparato, uma selecção de poemas que reduzira a pouco mais de quarenta páginas uma obra que percorre meio século, que a ninguém se poderia atribuir culpa pelo equívoco. Seria mesmo um equívoco? Face à transformação de um motivo antológico num objecto de bolso, pondera-se se aquele que se enganou não terá, na verdade, sido certeiro na sentença.
Seis anos depois, com carimbo ainda da mesma editora sediada na ilha do Pico, da qual o poeta é também oriundo, será mais difícil fazer a mesma analogia. Com Navalhas e Navios acrescenta poemas a quase todos os livros antologiados e introduz novas sequências que haviam sido excluídas de Outros Nomes Outras Guerras. […]”